Práticas e desafios na avaliação de desempenho econômico-financeiro de organizações em rede

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

O monitoramento dos resultados e a avaliação do desempenho de uma organização com foco no atingimento de metas econômico financeiras podem contar com o apoio independente de um consultor, de um conselho consultivo, de um conselho de administração e fazem parte da agenda de um conselho fiscal e/ou financeiro.

Nas palavras de William Edwards Deming, “não se gerencia o que não se mede, não se mede o que não se define, não se define o que não se entende, e não há sucesso no que não se gerencia”.

Toda organização deve monitorar continuamente seus resultados econômico-financeiros, utilizando indicadores clássicos como a relação investimento-retorno sobre o capital investido, liquidez, endividamento, lucratividade e rentabilidade.  Precisa criar planilhas para apuração do DRE mensal (Demonstrativo de Resultados do Exercício), que irão alimentar o Balanço Anual e o Demonstrativo de Resultados. Se uma pequena organização costuma recorrer à ajuda de seu contador, organização maiores podem contar com auditores internos e externos, para checar a veracidade e acurácia dos dados utilizados. Profissionais que prestam suporte no aconselhamento de gestão devem fiscalizar a consistência da execução da estratégia, e apoiar o processo de tomada de decisão a partir dos dados coletados.

Na prática, o acompanhamento deste processo pode ser mais tortuoso e complexo do que parece, sobretudo em organizações que operam em rede. No início de minha carreira, quando atuei como Consultor Econômico-Financeiro da divisão Small Business no escritório paulistano da então Arthur Andersen, no final dos anos 80, hoje Accenture, tive a oportunidade de participar e coordenar inventários, onde era comum haver inconsistências entre o estoque físico e os dados constantes no sistema de gestão. Ou seja, as empresas tomavam decisões baseadas em informações imprecisas sobre seu estoque disponível, gerando problemas como a dificuldade de apuração do nível de estoque mínimo e ponto de ruptura.

Há uns 20 anos, um franqueado da empresa brasileira líder no segmento de Skatewear pediu nossa ajuda para compreender as razões pelas quais ele estava se afundando em dívidas. Atuava na rede havia 3 anos, tinha 3 unidades, e havia acumulado um prejuízo da ordem de R$ 300 mil. Logo identificamos se tratar de um problema sistêmico, e a solução não viria exceto caso pudéssemos envolver o franqueador, suas lojas próprias e os demais franqueados da rede. Todos concordaram em receber nossa assessoria. Identificamos que todos os demais franqueados passavam por situação semelhante, porém não a unidade própria da rede. A equipe interna não conseguia visualizar os números pelo regime de competência, somente pelo regime de caixa. Organizando melhor os dados, ficou claro que o problema decorria da concessão de um percentual de desconto muito alto sobre um número muito alto de peças na virada de coleção. E havia 3 delas, coleção outono-inverno, verão e alto verão. A supervisora das lojas havia sido orientada a fomentar vendas, porém ela estava fazendo isto abaixo do custo para limpar as lojas na virada de coleção, e isto estava gerando um prejuízo acumulado e dívidas junto à franqueadora e junto a bancos. A franqueadora adotou uma visão paternalista e não cobrava com ênfase as dívidas dos franqueados, o que aumentava as dívidas sem corrigir o problema. Uma vez identificado o problema, a supervisora simplesmente pediu demissão! Mas não havia necessidade disso, pois bastava seguir um Plano de Contingenciamento Estratégico que desenvolvemos para a rede. As unidades saíram de um prejuízo da ordem de -6,7% para um lucro de 14,1% em 8 meses, e 19,1% em 12 meses. Ou seja, o negócio ganhou cerca de 25% de margem em 1 ano, somente corrigindo sua organização financeira! Com o tempo, o negócio acabou encontrando outras dificuldades, pois importava muito da China, o fornecedor quebrou e acabaram com um prejuízo de alguns milhões de dólares. Pena que a empresa na época não contava com um Conselho Consultivo, o que teria evitado sua derrocada.

Há uns 15 anos, formatamos o sistema de franchising de uma das maiores consultorias especializadas em RH com atuação no Sul do Brasil e em São Paulo. Estávamos quase terminando o trabalho, quando o empresário que era nosso interlocutor manifestou um profundo desagrado não com nosso trabalho, muito elogiado, porém com o sistema gerencial que utilizava. Ele disse na época que havia tentado utilizar diversos softwares de prateleira, porém nenhum deles se ajustava à prática que ele se propunha a implementar em sua empresa, composta por mais de 100 funcionários. Isto o deixava frustrado, e o levava a longas jornadas diárias, sendo sempre o primeiro a chegar e o último a sair. Naquele momento, iniciamos um módulo adicional em nossa intervenção que contempla o mapeamento de processos da empresa, seguido de sugestões de melhorias, criação de fluxograma de procedimentos e de indicadores de desempenho. Ao final, todo este levantamento foi encaminhado para um desenvolvedor de software, que criou um sistema proprietário e sob medida para a empresa. Não foi a solução mais prática nem a mais rápida, porém resolveu em definitivo a situação da empresa. Na reunião que marcou o final do processo, o dono da empresa nos chamou para uma reunião, agradecendo pelo fato de termos dado a ele uma verdadeira “carta de alforria”, já que não mais se sentia escravo do trabalho! De posse de ferramentas que permitiram a ele monitorar tanto pessoas como processos, finalmente conseguiu delegar tarefas e tirar férias, levando clientes para pescar na Amazônia num barco de sua propriedade, que era seu sonho realizado. Nosso trabalho, que deveria durar 6 meses, acabou se estendendo por 2 anos e meio! Uma integrante de nossa equipe acabou indo trabalhar na empresa.  E a empresa segue a passos sólidos até hoje.

Finalmente, há uns 5 anos, trabalhamos numa equipe responsável pela capacitação de 700 gestores de uma das maiores empresas do setor de super e hipermercados no Brasil. Oferecemos um treinamento avançado sobre Indicadores de Desempenho para gerentes das unidades, que atuavam na organização por 20 a 25 anos. Eles informaram que jamais haviam recebido treinamento nesta atividade, o que me deixou muito surpreso! E que tinham acesso ao resultado de suas unidades somente entre os dias 15 e 20 do mês seguinte, um verdadeiro teste para cardíaco, pois não recebiam prévias e o resultado positivo ou negativo era comunicado muito a posteriori, com dificuldade para identificarem a correlação entre a prática diária e o resultado mensal.  O resultado disso é que as operações faturavam muito, porém operavam no prejuízo. Tudo, porém, se resolvia a partir da contribuição dos fornecedores, que investiam em ações de marketing promocional, e transformavam prejuízo operacional e lucro na linha final do DRE. A lógica disso, que é comum no setor, se baseia o fato de ser um grande privilégio ser fornecedor das grandes redes, e isto gera volume de vendas. A margem de lucro dos fornecedores, neste caso, é compensada e obtida na venda para redes de pequeno e médio porte. Tal prática compensa toda e qualquer falha operacional e perpetua as maiores redes na liderança de seu segmento bem como o patrimônio de seus acionistas. E enquanto houver crédito e esta prática continuar sendo aceita pelo mercado, nada de game over!

Em todas as situações citadas, consultores, conselheiros consultivos e/ou conselheiros de administração poderiam intervir na Gestão Corporativa, com base nas diretrizes ESG e princípios de Compliance. Os exemplos citados demonstram a importância dos indicadores de desempenho e sobretudo os indicadores econômico-financeiros, sendo seu monitoramento de fundamental importância para a atração de investimentos, a expansão dos negócios e para a própria sobrevivência da organização.

Daniel Alberto Bernard, economista e Mestre em Administração pela FEA-USP, atua como consultor especializado em crescimento e desenvolvimento de empresas há 35 anos, e é membro do Conselho Superior da Associação Comercial do Paraná e da Board Academy.

error: Content is protected !!