É muito comum que novos negócios sejam criados a partir da visão estratégica e do comportamento empreendedor de seu fundador. A partir de seu esforço individual e do trabalho da equipe que vier a constituir, uma organização pode evoluir até atingir sua “plenitude”, entendida como a fase na qual maximiza suas vendas e lucro, de acordo com conceito cunhado por Ichak Adizes. Por outro lado, a perenidade de uma organização decorre de uma boa Governança Corporativa, que paradoxalmente não deveria ser baseada no discernimento de um único indivíduo, até mesmo por questões sucessórias e de sobrevivência no longo prazo. Fato é que a vida de um indivíduo é finita, porém o ciclo de vida de uma organização pode se perpetuar por gerações, caso haja sucessores bem assessorados por consultores, Conselhos Consultivos e Conselhos de Administração.
No setor de franquias, foram casos notórios o falecimento do fundador da FISK, sr. Richard Hugh Fisk, e a transmissão bem sucedida de seu legado, sendo seus sólidos valores constantemente relembrados a todos os integrantes desta rede de escola de inglês e espanhol. O fundador ficou famoso ao ter sido pioneiro no ensino de inglês pela televisão, e sua foto é mantida em destaque em todas as cerca de mil escolas da rede. Mais recentemente, o grave acidente de moto do fundador da rede China in Box impediu Robinson Shiba de se manter à frente da rede, que não se desintegrou e assim o grupo TrendFoods, que também inclui a rede Gendai, pôde ser adquirida pelo Grupo Trigo, dono da Spoleto e diversas outras operações do setor de alimentação, que assumiu a responsabilidade pela continuidade da rede.
Por estas razões, Conselhos Consultivos e Conselhos de Administração têm por função precípua apoiar o CEO de uma organização na tomada de decisões. De fato, as decisões mais estratégicas de uma organização muitas vezes podem ser tomadas com maior assertividade e ponderação caso discutida com terceiros quando organizados como um colegiado. Neste tipo de circunstância, alguns princípios básicos devem permear todo processo coletivo de tomada de decisão: ética, transparência, respeito às leis e processos bem definidos são alguns destes princípios.
Segundo Andréa Villaça, “a ética é o que nos capacita a distinguir o certo do errado, o bem do mal, ou seja, são comportamentos que geram mais benefícios para a sociedade e reduzem ao máximo os prejuízos”. A ética, portanto, está relacionada à liberdade e à possibilidade de escolha, entendida como a capacidade de fazer acontecer de acordo com o discernimento individual e coletivo.
A formulação deste juízo de valor, contudo, não é algo de comum acordo entre toda a população, e nem mesmo num segmento de mercado. Ética e moral muitas vezes não representam um consenso universal, o que marca a diversidade entre os povos e nações. O ordenamento jurídico tem por objetivo regulamentar as normas e comportamentos aceitos por uma determinada sociedade. Para Kelsen (1984), o ordenamento jurídico não pode ser cientificamente estudado como se fosse uma simples justaposição de normas que regulam o comportamento humano mas, ao contrário, deve ser vislumbrado como um todo unitário e sistemático, pelo fato de todas elas possuírem o mesmo fundamento de validade. Mas como lidar com brechas na Lei, sobretudo diante de um mundo VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo)?
O mero conhecimento dos princípios éticos e de compliance seguido pelas organizações líderes deve deixar claro o conflito de interesses que decorre de um consultor em franchising atuar também como franqueador ou franqueado. Ora, você abriria informações sigilosas e confidenciais sobre seu negócio a um “consultor” que tenha atendido uma empresa de um determinado setor e que tenha resolvido montar um negócio no mesmo segmento? Você quer contratar alguém para ajudar a proteger e a transmitir seu know-how, e a pessoa em quem resolveu confiar passa a usar seu conhecimento de modo irrestrito e sem considerações éticas?
Há diversas falhas estruturais e buracos negros na legislação brasileiras na proteção de know-how. Dark Kitchens que trabalham com diferentes cardápios de franqueadoras são um prato cheio para a transferência irregular de know-how. Ex-funcionários podem levar consigo informações confidenciais para a concorrência sem punição, colocando em risco a segurança corporativa. E o conceito de coopetition proposto pela Associação Brasileira de Franchising (ABF) se aplica em atividades muito específicas, como discussões e debates setoriais, porém não para toda e qualquer circunstância, deixando a livre interpretação para a consciência de cada um. A Associação, não por acaso lançou no início de 2023 uma campanha por um franchising íntegro.
Ora, muitos empresários fizeram grandes fortunas aproveitando mercados em formação ainda sem marco legal, atuando no limiar do comportamento humano aceitável. O líder de um segmento no setor educacional consolidou seu mercado e vendeu sua rede para uma multinacional por cifras bilionárias, adotando para a expansão de sua rede uma estratégia antiética e imoral, porém não ilegal. Abordou operações independentes e foi bem sucedido no processo de troca de bandeira, mas também abordou unidades franqueadas de outras redes, tendo plena ciência da cláusula de não concorrência, o que impediria este processo de conversão junto a estas operações. No entanto, resolveu correr o risco de ser processado por terceiros, apostando na lentidão da Justiça, na expectativa de uma punição branda e de uma expectativa de risco-retorno favorável, o que de fato acabou acontecendo. O comprador pagou caro, mas não se lamenta pois de uma só tacada se tornou líder de mercado. Em seu país de origem, caso tivesse feito o trabalho “sujo”, teria sido punida e perdido sua reputação.
Esta percepção que uma atitude ilícita pode compensar está na base dos problemas gerados mais recentemente pelas “aceleradoras de franquias”, empresas que assumem participação societária em diversas franqueadoras em troca de uma promessa vaga de venda de franquias. Tais empresas pressupõem que a venda de franquias a qualquer custo supera todas as demais necessidades, inclusive a própria formatação da rede. Batizam sua metodologia com novos nomes, aumentam, inventam, prometem, não cumprem. Publicam Fake News, enganam os mais incautos e usam as mesmas táticas irregulares que proliferavam no Brasil antes da vigência da Lei 8955/1994, substituída mais recentemente pela Lei 13966/2019. Muitas vezes, a participação destas aceleradoras nas empresas franqueadoras inicia de modo informal por meio de contratos de gaveta, pois argumentam que a participação efetiva será formalizada somente caso surja alguém interessado em adquirir participação na franqueadora. Dezenas de franqueadores fragilizados pela pandemia admitiram este esquema e somente na sequencia perceberam se tratar de um esquema enganoso, pois os franqueados descontentes por terem comprado negócios não formatados processam a franqueadora e não as aceleradoras, que até então solícitas, não constam formalmente no contrato social.
Tais empresas deram grandes golpes no mercado, porém nunca seriam aprovadas por auditorias e diligências para o recebimento de aporte de capital de fundos, e jamais poderiam ter acesso ao mercado formal de capitais. Embora distorçam seu discurso e até já tenham anunciado estarem rumo ao IPO, se autoexcluíram do clube das melhores empresas por sua conduta, ao buscarem atalhos desalinhados com os princípios de Ética, compliance e ESG em seu processo de expansão.
Implementar mudanças, ou seja, mudar a zona de conforto das pessoas é um grande desafio da liderança num mundo onde a mudança é constante. CEO e Conselhos devem se alinhar para trocar ideias e contar com a experiência acumulada do grupo para turbinar a organização e obter os melhores resultados.
Como mais uma contribuição ao setor de franchising do presente autor, incluímos a seguir um exemplo genérico de matriz de oportunidades e riscos que pode ser aplicada numa rede que opere por este modelo de negócios:
Exemplo (genérico) de Matriz de Oportunidades e Riscos
Daniel Alberto Bernard, economista e Mestre em Administração pela FEA-USP, atua como consultor especializado em crescimento e desenvolvimento de empresas há 35 anos, e é membro do Conselho Superior da Associação Comercial do Paraná e da Board Academy.