Uma das habilidades mais importantes a ser desenvolvida por profissionais de sucesso, desde consultores em negócios e médicos, passando naturalmente por jornalistas, consiste em identificar se uma informação é verdadeira ou falsa. Não apenas por estarmos vivendo a era das Fake News, mas porque a mentira é inerente e faz parte do comportamento humano. As pessoas aumentam e inventam fatos sobre si mesmos na esperança que eles não possam ser comprovados, almejando assim algum tipo de reconhecimento ou recompensa por parte de novos chefes, colegas, namoradas ou conhecidos, na intenção de passar anos ou até mesmo uma vida inteira sem serem descobertos. Lidar com a mentira é uma preocupação central para profissionais que trabalham com transferência e proteção de know-how.
“Ele mente como respira”. O mal dos mentirosos contumazes
Quando trabalhei como consultor econômico-financeiro na Arthur Andersen no final dos anos 80, uma expressão que utilizavam na época e que me marcou muito é “healthy skepticism”, ou “ceticismo saudável”. Na qualidade de consultores e auditores, não deveríamos ser crédulos nem desconfiar de tudo, porém sempre vale a pena checar duas vezes (ou “double check”) as informações, por diferentes fontes.
O brasileiro é um povo altamente criativo e inventivo, porém imediatista. De uma maneira geral, não valoriza os anos de experiência e acredita que possa preguiçosamente copiar trabalhos de 20 anos em 20 minutos. Alguns franqueadores na verdade são ex-franqueados ou ex-funcionários de alguém com muito know-how e que teve a paciência de explicar sua metodologia e segredos industriais ou comerciais, porém não conseguiu reter seu aprendiz dentro de sua rede. Estas são as franqueadoras mais frágeis, pois com raras exceções seus proprietários costumam ser meros copiadores, sem capacidade de desenvolvimento próprio nem de inovar, portanto são em sua grande maioria negócios com curto prazo de validade e sem capacidade de renovação.
Na condição de criadores e desenvolvedores de conteúdo em franchising e negócios em rede, com conteúdo próprio desenvolvido no Brasil e em outros 45 países, somos copiados praticamente todos os dias. Temos diversos conteúdos com copyright e direitos autorais, mas também desenvolvemos conteúdos para associações e entidades de classe que passaram a utilizar livremente os conteúdos desenvolvidos, inclusive cursos que passaram a ser ministrados por pessoas sem o mesmo grau de conhecimento e que foram modificados com o tempo assim que passaram a sofrer livre interpretação. Também passaram por nós entidades sérias que nos contrataram para desenvolver guia do instrutor, manual do participante e capacitação de multiplicadores, no intuito de evitar ao máximo este desvio do conteúdo original.
Todas as empresas que possuem um know-how original, específico e que não é de domínio público sofrem tentativas de apropriação indevida de técnicas e metodologias, algumas vezes camufladas com neologismos como “coopetição” e “open business” (cooperação para benefício de quem?). Nem mesmo nossa consultoria especializada em Franchising e negócios em rede é exceção. Ao longo dos últimos 28 anos já passaram por nossa consultoria inúmeros estagiários e assistentes de todos os tipos e naipes, que sempre agregaram valor às suas carreiras e obtiveram experiências valiosas num ambiente multifuncional onde se respira empreendedorismo. Por outro lado, como somos uma consultoria em franchising e não franqueamos nosso know-how a terceiros, muitos tentaram obter know-how e benefícios por processos irregulares, seja copiando dados, contando versões enganosas sobre suas experiências anteriores no intuito de serem contratados, se oferecendo para estagiar gratuitamente, se passando por mim almejando obter benefícios como representações comerciais e novos clientes para si ou para terceiros, e até mesmo adotando posturas prepotentes se achando capazes de “hipnotizar” as pessoas com seu charme e conversa mole! Como confiança não se dá e se conquista, e hoje em dia todo recém-formado quer começar a carreira como Diretor ou CEO, não dá para sair por aí emprestando varinha mágica para aprendizes de feiticeiro, até mesmo empresas sólidas podem quebrar cometendo este simples equívoco.
A maior fragilidade das empresas na proteção de seu know-how no Brasil ocorre por meio de sócios ou ex-funcionários, que são contratados por terceiros ou até mesmo montam negócios concorrentes ao de seus antigos patrões, utilizando indevidamente o conhecimento adquirido. “Parece moleza, todo mundo faz isto!”, diriam alguns. Aliás “foi desrespeitando o know-how estrangeiro que países como a China alicerçaram seu crescimento!”, diriam outros. A falta de proteção de know-how é certamente uma preocupação constante e um desincentivo a criatividade humana. E o fato de pouca gente tirar referências dos empregos e trabalhos anteriores de seus novos colaboradores e desconhecer como avaliar habilidades comportamentais como honestidade, índole e caráter alimenta ainda mais esta indústria espiral do fake.
Segundo a advogada Gisele Truzzi, um ex-funcionário que passe a atuar no mesmo mercado da antiga empresa onde exercia suas funções não representa um problema em si, tendo em vista que o indivíduo provavelmente atuará em sua área de especialização, caso não exista em seu contrato de trabalho cláusulas impeditivas, que criam uma proibição de atuação no mesmo nicho por determinado período, ou cláusulas de não concorrência, proibindo expressamente o colaborador de exercer suas atividades em empresas concorrentes ou montando negócio próprio.
No entanto, afirma Gisele, “o problema se inicia a partir do momento em que o colaborador, ao assumir nova empreitada profissional, faz uso de informações privilegiadas às quais teve acesso em seu trabalho anterior ou viola expressamente cláusulas contratuais. Nesse sentido, é muito comum o ex-funcionário ter acesso a banco de dados, cadastro de clientes e fornecedores, dados pessoais sensíveis, planos estratégicos de negócios, segredos comerciais e profissionais, bem como demais informações de alto know-how, por conta de suas funções ou do cargo de confiança que exercia previamente. Na rotina de trabalho, ao participar do desenvolvimento dos negócios ou ao ter acesso a este fluxo privilegiado de informações, muitas pessoas têm a falsa crença de que estas informações também lhe pertencem, o que é um engano, e acabam armazenando consigo todo esse histórico, levando para si próprio uma cópia desses dados, sem qualquer autorização. E assim, repassam isso para uma empresa concorrente ou utilizam na construção de seu próprio negócio autônomo. Esse tipo de comportamento é muito grave, pode configurar alguns crimes, gerando responsabilidade para o indivíduo que o pratica e ocasionando danos (patrimoniais e de imagem) à empresa lesada.”
E se um problemão desses acontecer com você? Você tem clones? Torna-se um problema com implicações jurídicas, tecnológicas e organizacionais.
Dentre as implicações jurídicas relacionadas ao “vazamento de informação” previstas no Código Penal e legislação brasileira por ex-sócios ou ex-funcionários, destacam-se:
Crime de violação de segredo profissional, definido no artigo 154 do Código Penal
Crime de divulgação de segredo, definido no artigo 153 do Código Penal
Crime de violação de sigilo, descrito no artigo 151 do Código Penal
Crime de violação de correspondência comercial, descrito no artigo 152 do Código Penal
Crime de violação de direitos autorais, descrito no artigo 184 do Código Penal
Delito de concorrência desleal, definido no artigo 195 da Lei 9279/96
A fim de prevenir a ocorrência de tais problemas, é recomendável:
1 – elaborar e recolher assinatura de Termo de Confidencialidade por todos os colaboradores, gestores e diretores;
2- criar um Código de Conduta para inibir o vazamento de informações privilegiadas pelos funcionários;
3 – elaborar Normas de Segurança da Informação e Política de Segurança da Informação, revisar/elaborar contratos de trabalho ou de prestação de serviços com cláusulas específicas ou constantes de Regimento Interno comprovando a ciência e aceitação de todos;
4 – Implantar monitoramento eletrônico no ambiente online da empresa, mediante prévio aviso aos colaboradores;
5 – Elaborar e assinar de “Termo de Uso de Dispositivos Móveis”;
6 – Realizar backups frequentes no ambiente online da empresa;
7 – Segregar redes no ambiente online da empresa, com acessos disponíveis (SLA) e níveis de senha conforme os cargos e atividades exercidas;
8 – Segregar funções para realização de atividades complexas e extremamente sigilosas.
Em se tratando de tecnologia e pessoas, não há como garantir 100% de proteção contra vazamento de informações, mas adotando-se melhores procedimentos jurídicos, tecnológicos e organizacionais é possível mitigar tais riscos de modo a reduzir eventuais danos à empresa e sua reputação.