Embora não seja evidente para todo mundo, sim há limites na venda de franquias que devem ser seguidos por todos aqueles que atuam ou pretendem atuar na comercialização de franquias! Tais limites não são somente aqueles de ordem ética ou moral, estão definidos tanto na Lei 13966/2019 (Lei das Franquias) como no CONAR (Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária), no Novo Código Civil e até mesmo no Código Penal Brasileiro.
As abordagens faltosas ou questionáveis não se limitam portanto à falta de ética nas vendas ou concorrência desleal, praticada com frequência por ex-funcionários de franqueadoras ou de consultorias que denigrem ou caluniam seus ex-empregadores e empresas que consideram concorrentes buscando com agressividade exacerbada obter vantagem para si. Já testemunhamos franqueadores saírem no braço após a invasão de um deles no stand do outro expositor, num evento presencial, no intuito de abordar de maneira insidiosa candidatos no espaço exclusivo adquirido pelo expositor. Mais alguém conhece gente que não lê manual de instruções e desconhece regras de boa vizinhança?
Tem tanto absurdo acontecendo por aí, a ponto de ter se tornado imprescindível consultorias e entidades de classe educarem as pessoas a identificar se uma empresa avançou ou não o sinal. A ABF tem promovido o conceito da “coopetition”, cooperação entre concorrentes, algo muito positivo desde que num ambiente formado por participantes éticos e de conduta ilibada. Quando fora deste tipo de ambiente e até mesmo sob qualquer circunstância, pois sempre pode haver raposas invadindo galinheiros, saiba mais sobre as piores práticas do mercado:
Propaganda enganosa: ela sempre existiu, porém este tipo de insensatez proliferou de sobremaneira durante a pandemia, gerando uma enxurrada de fake news nas mídias sociais, com alegações de vendas de centenas de franquias que sequer abriram as portas, sendo esta uma informação de difícil checagem por leigos.
Ora, é de senso comum que o processo de venda de uma franquia é é algo qualificado e dirigido para quem atende a determinados pré-requisitos. É a chamada venda não-venda! Mas e se alguém não exatamente imbuído dos princípios de boa-fé intuísse que a abordagem fosse exatamente o oposto? Por que não vender para qualquer um? Será requisito suficiente ter vontade de ter uma franquia e visitar uma feira de franquias?
Para algumas empresas que atuam com aceleração da expansão de redes de franquias, esta passou a ser a última novidade, a visão disruptiva, que tornaria obsoletas as práticas anteriores. Sem formatação completa, sem barreiras à entrada, sem exigir recursos em montante mínimo, sem maiores exigências. Venda fácil e instantânea, como se estivesse sendo vendido um par de sapatos! Discurso atraente para pessoas mais simples com dificuldades cognitivas e rentável no curtíssimo prazo, mas uma bomba relógio que estoura logo adiante. Em 2022, quem sabe?
Ora, a venda de uma franquia envolve um longo processo que não se limita ao atendimento inicial nem à assinatura de um termo de autorização de vendas ou a assinatura de um pré-contrato. O processo precisa ir até o final, resultando na abertura de uma nova unidade, para que a venda de franquia seja efetivamente concretizada. “Vender” e não inaugurar, por um lado, não pode ser exatamente considerado uma venda de franquia, visto que o processo não foi concluído.
Como seria possível uma empresa desconhecida anunciar a venda de centenas de unidades em tempo recorde, não possuindo mais do que 4 ou 5 unidades em operação, ou até mesmo nenhuma unidade operando? O franqueado pagaria uma taxa ou um sinal de negócio e entraria numa fila virtual, aguardando meses ou anos até conseguir inaugurar sua unidade? Será magia ou ilusão?
Por outro lado, do ponto de vista legal, a venda de uma unidade que sequer abriu pode ser sim considerada uma venda, que pode ser cancelada ou anulada a qualquer momento. Nestes casos, todo pré-contrato ou contrato de franquia que for rescindido e toda unidade que tiver encerrado suas atividades ao longo dos últimos 24 meses precisa ter esta situação documentada na Circular de Oferta de Franquia, de acordo com o artigo X da Lei 13966/2019. E o contato do ex-franqueado precisa constar do documento para checagem por parte do potencial franqueado. O encerramento de uma unidade pode ocorrer por diversas razões, que devem ser conhecidas pelos novos ingressantes na rede. Assim, é possível que uma empresa inidônea venda 10 franquias e feche 7 ou 8, num curto espaço de tempo. Ocorre, porém, que se esta informação não constar da COF, quem comprar uma franquia de uma rede que omita esta informação e perceba informações incorretas ou incompletas no documento pode facilmente anular a compra da franquia ou tornar o documento nulo de pleno direito. Afinal de contas, o espírito da Lei quando ela foi concebida foi justamente o de impedir propaganda enganosa e indução a erro.
Tal omissão caracteriza um dos erros graves que podem ser cometidos por algumas franqueadoras e denota falta de respeito ao dinheiro e à vida de outras pessoas por parte da franqueadora. Além disso, a prática não homogênea de critérios na seleção de franqueados pode ser facilmente identificada na primeira reunião entre franqueados, que trocarão informações entre si. Mentiras têm perna curta no universo do franchising, que prima pelos princípios de disclosure, ou transparência.
Este tipo de venda sem abertura de unidade proliferou durante a pandemia, agora cabe às redes que agiram desta forma conseguirem abrir as unidades “encomendadas”. A maioria destas unidades, comercializadas em 2020 e 2021, foram adquiridas por pessoas desempregadas e com poucos recursos disponíveis, muito mais por necessidade do que por oportunidade. Como dar sequência ao atendimento a estas pessoas que, no calor de uma apresentação ensaiada e recheada de ferramentas de PNL (Programação Neuro Linguística), pagaram algum sinal de negócio a franqueadoras que ousaram acelerar sua expansão na pandemia, e que por intermédio de corretores de negócio aumentaram, inventaram, prometeram e agora precisam cumprir compromissos que consumiram os recursos que dispunham e se encontram descapitalizados? Este nos parece ser o grande desafio em 2022 para as redes que agiram de modo menos prudente em 2020 e 2021, e que correm o risco de exponenciarem sua escala, ou não mais existirem… em 2023!
Estruturar o Departamento de Franchising de modo a precisar vender todo mês para cobrir os custos: quando a franqueadora monta uma equipe tendo a venda como o principal objetivo a ser atingido, e prevê que a equipe seja remunerada com a taxa inicial de franquia, ela assume uma despesa fixa ou semi-variável com receita variável e incerta, e se vê “forçada” a vender franquias a qualquer custo e para qualquer um. Neste caso, a “máquina de vendas” não pode parar, do contrário o departamento quebra, e muitas vezes a empresa inteira também! Ora, o modelo de negócios seguido por franqueadoras de sucesso deve ser sustentável a partir dos royalties e margem sobre o produto, jamais sobre a taxa inicial. E a habilidade de vender franquias e abrir novos negócios pouco se assemelha à habilidade de gerenciar redes e manter a rede adequadamente atendida ao longo dos anos.
Eficiência e rentabilidade são fundamentais num departamento de expansão de rede. Simplesmente não é verdade que uma franqueadora precisaria de dezenas de unidades em operação para começar a ganhar dinheiro, basta atuar com consultorias especializadas como a nossa, que não cobram fee mensal fixo para dar suporte na expansão e na gestão de redes, desde que formatadas ou reformatadas pela consultoria, e sabem onde investir na promoção das redes! Sim, tem muita franqueadora que assume pesados custos fixos e conta com vendas incertas e a receita de taxas iniciais para cobrir estes custos, que é a receita certa para quebrar o negócio. Estas são geralmente as franqueadoras que vendem para qualquer um, arrecadam taxas, abrem 10 franquias e fecham mais de 70% das unidades. São as responsáveis pelas ações judiciais e extrajudiciais que assustam potenciais franqueados e colocam em risco a credibilidade do próprio sistema de franchising.
Ora, a criação e montagem de um Departamento de Franchising requer um investimento inicial e investimentos progressivos que acompanhem a expansão da rede. Esta estrutura deve se manter ao longo do tempo com as taxas de royalties arrecadadas, não com as taxas iniciais. Por outro lado, há muitas despesas que podem ser terceirizadas junto a consultorias especializadas que atuam como incubadoras de franquias, transformando parte dos custos fixos em custos variáveis. Um departamento de franquias pode começar com 1 a 3 pessoas: responsável pela expansão, responsável pela capacitação e responsável pela supervisão de campo. Parte desta equipe precisa fazer parte da estrutura interna da franqueadora para que o conhecimento fique internalizado e não se dependa de terceiros.
Já a aceleração da expansão de uma franquia é usualmente precedida por uma estratégia mais conservadora, denominada walking before running. É difícil corrigir algo que deveria ter sido checado na fase piloto, quando a rede já tem dezenas de unidades. Nesta hora, o perfil da equipe interna precisa ser ainda mais especializado, e as funções precisarão ser ainda mais sub-divididas. Vai faltar capital de giro e a franqueadora correrá o risco de fechar. Numa atitude a nosso ver desnecessária e um tanto temerária, alguns franqueadores cederam parte das cotas de suas empresas franqueadoras (sua galinha dos ovos de ouro) a empresas, geralmente criadas recentemente e com quem assinam contratos de gaveta e montam SPEs (Sociedades de Propósito Específico), que prometem vendas agressivas e motivam suas equipes criando a expectativa que surgirá investidor, a empresa será comprada (M&A) ou abrirá capital na bolsa (IPO), quando o contrato de gaveta seria formalizado e todos sairiam beneficiados. Mas o risco jurídico permanece neste intervalo em nome dos detentores originais das cotas, e nem toda empresa tem perfil para atrair investidores externos ou até mesmo ser vendida com lucro. Aquelas com tributos em dia e sem passivos significativos, ferramentas de controle confiáveis e escalabilidade comprovada colherão os melhores frutos!
Fazer uso indevido de celebridades: celebridades são rostos e nomes conhecidos que despertam afinidade entre o consumidor e os produtos. Mas esta prática pode ser perigosa, pois associar a imagem de alguém a um produto significa que qualquer notícia depreciativa sobre esta celebridade pode repercutir negativamente na imagem da empresa. Elas envelhecem e não existe unanimidade, portanto toda celebridade possui um índice de rejeição, o que pode afugentar uma fatia dos clientes. A celebridade pode até mesmo se tornar sócia de uma empresa, sem função operacional, tendo direito a bônus mas também assumindo o ônus da sociedade. O custo de manter uma celebridade na folha de pagamento da empresa pode variar com o tempo, sendo mais alto quanto mais em evidência estiver a celebridade na mídia. Quando a Xuxa tinha programa diário na TV, por exemplo, seu cachê era bem maior do que quando reduziu sua exposição para uma vez por semana, ou quando mudou para uma emissora de menor audiência. O craque Neymar ajuda na venda de muitos produtos, porém tem sua vida pessoal, sua conduta e comportamento atentamente acompanhados pela mídia. Já imaginou apoiar o Atlético Mineiro ou o Grêmio em seus respectivos Estados? Sua empresa venderá para muitos aficcionados porém sofrerá grande rejeição por parte de torcedores dos times rivais!
Prometer descontos excessivos no valor das taxas: quando os franqueados se encontrarem e trocarem informações, quem pagou a mais ficará bem irritado com a notícia, a menos que a diferença de valor seja claramente justificada!
Manter um processo de vendas que gera um custo maior do que os resultados obtidos: tal situação pode durar algum tempo, porém não muito tempo! Taxas iniciais negativas vem sendo praticadas por alguns franqueadores mais agressivos, sobretudo aqueles que revendem produtos e buscam sobretudo um canal de escoamento para sua indústria, importadora ou distribuidora. Não é comum esta prática para prestadores de serviços!
Pagar um fee mensal para que terceiros sem conhecimento do negócio comercializem a franquia: esta prática aumenta a quantidade de pessoas autorizadas a apresentar a oportunidade de negócios a terceiros, resta verificar se a informação está sendo transmitida de modo homogêneo.
Ao organizar seu processo de comercialização de franquias, verifique se sua franqueadora não estaria infringindo algum artigo previsto no Código Penal brasileiro:
· Art. 154 Código Penal: Violação de sigilo profissional
· Art. 153 Código Penal: Divulgação segredo profissional
· Art. 171 Código Penal: Estelionato
· Art. 184 Código Penal: Direitos autorais
· Art. 195 Lei 9279/1996: Concorrência desleal
Práticas equivocadas ou desleais na venda de uma franquia
Preocupe-se caso você identifique algumas das práticas a seguir numa franqueadora, descritas em textos que publicamos há mais de 20 anos (Como escolher a franquia certa, Ed. Atlas 1999) e que segue uma informação bem atual:
1 – O franqueador promete lucros não realistas
2 – Diz que os lucros virão um dia, é só ter paciência para esperar
3 – Não tem ou não fornece estatísticas de vendas e lucratividade
4 – Promete vendas fáceis
5 – Não identifica quem são os sócios de seu negócio
6 – Quer negociar com o franqueado taxas mais elevadas do que para os demais franqueados sem compensação ou benefício aparente
7 – Quer cobrar mais coisas depois de definidos os custos totais
8 – Promete ganhos no subfranqueamento do negócio
9 – Tem um nome parecido com o de um negócio concorrente maior e melhor
10 – Não identifica seu nome em anúncios
11 – Promete uma renda elevada com pouco trabalho, ou chamadas do tipo: trabalhe em casa, nas horas vagas…
12 – Procura te encontrar em um hotel de qualidade questionável
13 – Pede uma taxa inicial enorme em troca de nada ou pouco
14 – Oferece um prazo contratual muito pequeno
15 – Não apresenta dados históricos financeiros
16 – Não esclarece seus planos de desenvolvimento futuro
17 – Define vagamente o território exclusivo
18 – Tem pouca informação sobre seus concorrentes
19 – Trabalha com um contrato incompreensível, confuso, difícil de ler
20 – Apresenta de modo vago o tipo de assistência oferecida
21 – Possui uma sede pequena ou mal estruturada
22 – Trata de modo evasivo a questão do acesso a franqueados em operação
Dentre os principais indicadores de desempenho no processo de comercialização de franquias, destacamos:
a) Aberturas – e fechamentos – de unidades
b) Investimentos em estrutura de vendas e capacitação da equipe vs. resultados
c) Vendas vs. produção/entregas
d) Necessidade de capital de giro
e) Saldo de empregos gerados vs. perdidos
f) Alinhamento das expectativas do franqueado
Avaliação a posteriori:
g) Passivo (churn) jurídico e
h) Rentabilidade e durabilidade das unidades.
Os resultados financeiros devem poder ser acompanhados por diferentes ferramentas, sendo as principais o Balanço Patrimonial e o DRE (Demonstrativo de Resultados do Exercício).
Tome decisões de investimento de qualidade: Ao descobrir o que deixou seus potenciais franqueados satisfeitos, você pode decidir se deve reforçar ou não sua forma de abordagem. A sua taxa de perda de potenciais franqueados lhe sinalizará se vale a pena alterar sua prática comercial nesta atividade tão crítica.
Tome decisões relativas a treinamento: Ao decidir em que áreas irá treinar funcionários, verifique aqueles que lhe trarão os melhores resultados em termos de satisfação dos franqueados.
Lembrando-se que a única maneira de evitar perdas é atender ou superar as expectativas dos franqueados e apresentar um desempenho melhor do que a concorrência. Este desempenho não se limita à quantidade de unidades franqueadas comercializadas e abertas, há diversos outros indicadores como vimos. O sucesso da estratégia de comercialização no passado não assegura o sucesso futuro. Com um bom sistema de informações em andamento, você estará preparado para analisar os dados e tomar as ações corretivas.
Formatar e expandir uma franquia é tarefa de alta complexidade à qual nos dedicamos há 30 anos. Foi o tema de minha dissertação de mestrado em administração de empresas com habilitação em Marketing e Finanças, defendida na FEA-USP em 1991. É resultante de minha formação e vivência, que me levou a aprender 7 idiomas e visitar 45 países antes dos 30 anos de idade. Trabalhei na Arthur Andersen, maior consultoria do mundo na época, antes de criar minha empresa de consultoria. Esta habilidade de estruturar o crescimento e desenvolvimento de negócios em rede e escalonar franquias com sucesso e constância desenvolvida por nossa consultoria é raríssima no Brasil e no mundo, o que já nos levou a atuar em 20 países! Temos limitação de agenda desde que iniciamos nossas atividades, cerca de 14% das redes brasileiras são ou foram atendidas por nossa consultoria. A gente conhece muito bem nosso mercado e sabemos que empresas que nos procuram e que não foram aprovadas em nosso Laudo de Franqueabilidade ou atuam no mesmo segmento de outros clientes nossos buscarão outros caminhos para expandir, com o apoio de outros profissionais. Não vemos nenhum problema nisso, porém nos preocupamos com a credibilidade do sistema de franchising, que é a nosso ver a melhor estratégia de expansão de negócios em rede, desde que bem estruturado, pois do contrário pode quebrar muita gente, afinal tudo é exponenciado, inclusive acertos e erros. Não existe afinal uma via única, há caminhos melhores e piores, e esta avaliação depende de cada situação. Estruturar redes rentáveis e duradouras, baseadas em relações de confiança e respeito mútuo é o que nos move. Como diria nossos clientes do CIAR (Centro Internacional de Análise Relacional), pioneiros da psicomotricidade relacional no Brasil, sempre com senso lógico e crítico muito aguçados, com afeto, agressividade modulada e limites definidos e bem claros!