ESG com “E” de Excelência e os 4 pilares do Capitalismo Consciente

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As empresas de ponta “top tier” e aquelas inseridas na categoria “World Class”, ou seja, atentas aos padrões de compliance internacionais, e todas aquelas organizações que almejam entrar neste grupo de excelência, deveriam estar alinhadas aos princípios do ESG (do termo em inglês Environmental, Social and Governance) por diversos motivos. Ao adotar esta agenda, passam a atender os requisitos de acesso a recursos financeiros externos, criam diferenciais competitivos e melhoram a notoriedade da marca, o que aumenta seu “valuation” e atratividade como um bom local para trabalhar, as chamadas GPTW (Great Place To Work).

Pedimos desculpas ao leitor pelo anglicismo, mas como diriam nossos vizinhos hispanófonos, Asi es! Os mercados de capitais adotaram esta medida pensando na importância que toda empresa tem para seu entorno e comunidade. Afinal de contas, todas as empresas que estão inseridas numa sociedade deveriam se preocupar muito com seus “stakeholders”, ou seja, o universo de interessados na empresa, e não somente com seus “shareholders”, ou seja, seus acionistas ou quem tem alguma fatia do capital da empresa.

Milton Friedman doutrinava no início dos anos 70 que o objetivo central das empresas era gerar lucro para seus acionistas, promovendo o “capitalismo de shareholder”. Por outro lado, Philip Kotler refutou e ponderou esta diretriz ao definir Marketing Societal como uma evolução da orientação para o cliente nas empresas, quando começaram a agregar a questão da responsabilidade social como um dos aspectos fundamentais na sua base de valores.

Ora, toda organização deveria ter seus princípios pautados em 6 grandes classes de valores: competência, continuidade, desenvolvimento, relacionamentos, estilo de vida e responsabilidade social. Caso fossem partes de um corpo, competência estaria mais ligada ao cérebro, e responsabilidade social ao coração. Continuidade está relacionada à tradição e desenvolvimento está de olho no futuro. Relacionamentos e estilo de vida, ao comportamento das pessoas.

Sob este prisma, alguns dos valores relacionados a Responsabilidade Social são: Justiça, Honestidade, Tolerância, Coragem, Integridade, Perdão, Paz e Ambiente. Os valores deste grupo são bons por si mesmos. É difícil questioná-los entre si, e escolher o que seria mais importante: família, tolerância ou ainda a tradição. Cada pessoa interpreta os valores de acordo com o momento de sua vida. Sob quaisquer circunstâncias, a importância deles é inquestionável.

Muitas pessoas consideram quaisquer destes valores sem importância. Alguns poucos gestores de empresas, de perfil comportamental plenamente desenvolvido e preocupados com o legado que deixariam à sociedade, não obtinham qualquer benefício direto a partir de sua preocupação com seus próximos. Por outro lado, uma vez que temos uma quantidade limitada de tempo, a vida consiste em fazer escolhas sobre como usar nosso tempo e energia do modo mais adequado, lógico, sensato e consciente possível.

Esta abordagem foi impulsionada pela tomada de consciência pelo cliente do impacto que o consumo pode gerar numa sociedade quando considera apenas uma visão de curto prazo. Desta forma, poluição, desperdício de recursos e condições sub-humanas da mão de obra nas empresas passaram a influenciar o consumidor em processos de decisão de escolha de um fornecedor e compra de um produto.

Retornando a Kotler, Marketing Societal contempla a tarefa da organização que consiste em determinar as necessidades, os interesses e os desejos dos mercados-alvo, e oferecer as satisfações desejadas de modo mais eficaz e eficientemente do que a concorrência, de uma maneira que preserve ou melhore o bem-estar do consumidor e da sociedade.

Nesse sentido, os empreendimentos precisam compreender de que forma querem impactar a sociedade. Simplesmente a busca por sucesso econômico deixou de ser suficiente e, em muitos casos, a história demonstrou que esta postura míope pode se tornar muito prejudicial em termos econômicos e sociais.

Em 2020, o Fórum Econômico Mundial atualizou seu manifesto e endossou o conceito de “Capitalismo de Stakeholders”. A base do raciocínio é que a empresa não deveria gerar valor somente para seus acionistas e sim para o universo de interessados na empresa, o que inclui colaboradores, membros da comunidade, fornecedores, consumidores e, naturalmente, os acionistas. Essa nova abordagem rompeu e redefiniu o papel das empresas na sociedade ao propor um novo paradigma na percepção da geração de valor das organizações no longo prazo. As pessoas, a sociedade e o planeta precisam estar contemplados e deveriam estar mais no centro do propósito maior das organizações.

O paradigma das organizações mudou já a partir da criação das diretrizes da ESG em 2004 e da colocação em prática dos 4 pilares que a norteiam. São eles:

1. Propósito maior

Empresas e organizações em sistemas capitalistas devem agir pautadas em um propósito maior que vá além da mera busca pelo lucro econômico. Esta não é uma ideia nova, porém nunca antes ela havia se posicionado de modo tão central nas diretrizes adotadas pelas organizações.

Ora, a cada dia mais pessoas buscam aliar seu propósito de vida à sua carreira corporativa por critérios e preferências que vão além de salários altos e estabilidade econômica. Elas querem transformar o mundo por meio de ações que impactem positivamente a realidade, as pessoas e também o meio ambiente.

Dessa forma, o propósito da empresa passa a ser a chave fundamental para a construção de um modelo econômico sustentável e humanizado, atraindo os melhores talentos humanos que estejam alinhados ao papel que a organização espera exercer na sociedade.

2. Integração de stakeholders

Antes abordados de modo desconectado, os integrantes das organizações tomaram consciência da importância da interdependência entre as partes que compõem o universo de interessados no seu empreendimento. A nova visão predominante neste ambiente é de libélula, multifacetada e integrada. O senso de responsabilidade social, resiliência e geração de valores sociais entraram na pauta quando se passou finalmente a entender que estamos todos no mesmo barco.

Não se trata simplesmente de uma mera relação de consumo e busca pelo lucro de curto prazo no caso de organizações estruturantes. Alinhamento de propósitos, harmonia e geração de benefícios ao grupo e às comunidades onde se está inserido são fatores que geram crescimento e desenvolvimento econômico com sustentabilidade.

3. Liderança consciente

O engajamento dos líderes que estão à frente da condução dos negócios é requisito fundamental para que o propósito maior de uma organização esteja vivo e presente no quotidiano das ações e das estratégias tomadas pela empresa.

É necessário cativar e inspirar as equipes por meio da transmissão dos valores e da cultura da empresa tendo sempre em vista seu propósito maior.  Concordar com os valores, a missão e a visão de uma organização deveria ser o requisito logo na fase de contratação de novos funcionários e colaboradores. Muito mais do que um discurso ou um quadro na parede colocado por uma consultoria de qualidade na busca de uma certificação da ISO, é necessário que estes princípios sejam compartilhados e vividos pelo grupo, o que pode ser percebido nas pequenas atitudes de seus componentes.

Empresas no passado eram guiadas por regras informais ou redigidas na forma de manuais. Mas já vivemos numa fase na qual os valores devem estar enraizados na cultura das organizações. Ao compreender a forma como os líderes raciocinam, os subordinados conseguem deduzir como devem se comportar e tomar decisões na prática sem precisar tirar dúvidas o tempo todo com seu supervisor, com baixa margem de erro. Assim, as regras do jogo deixam de ser meramente descritas e seguidas “by the books” e se baseiam na cultura das organizações, numa linha coerente e “by the soul”.

4. Cultura consciente

O capitalismo consciente se expressa em sua plenitude quando os valores da organização, percebida como um agente transformador da sociedade onde está inserida, são efetivamente compartilhados e vividos por seus integrantes, o que cria um ambiente seguro baseado em confiança e respeito mútuo. Desta forma, estes valores também serão disseminados para as esferas externas que compõem seu universo de stakeholders.

Perceber que a organização pratica o que apregoa é uma forma de expressar a liderança pelo exemplo. Organizações adeptas do capitalismo consciente promovem mudanças ao permitir que a relação de confiança entre os funcionários, consumidores e fornecedores seja maior a cada dia, o que traz credibilidade para o empreendimento e engajamento das partes que percebem com maior clareza seu papel e importância no ecossistema onde está inserido.

Daniel Alberto Bernard, economista e Mestre em Administração pela FEA-USP, atua como consultor especializado em crescimento e desenvolvimento de empresas há 35 anos, e é membro do Conselho Superior da Associação Comercial do Paraná e da Board Academy.

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