Em 2020, o Fórum Econômico Mundial endossou o conceito de “Capitalismo de Stakeholders”. A base do raciocínio é que a empresa não deveria gerar valor somente para seus acionistas e sim para o universo de interessados na empresa, o que inclui colaboradores, membros da comunidade, fornecedores, consumidores e, naturalmente, os acionistas. Essa nova abordagem rompeu e redefiniu o papel das empresas na sociedade ao propor um novo paradigma na percepção da geração de valor das organizações no longo prazo. As pessoas, a sociedade e o planeta precisam estar contemplados e deveriam estar mais no centro do propósito maior das organizações.
Este novo paradigma coloca em xeque aspectos legais e societários vigentes e as métricas tradicionais para a avaliação do desempenho das organizações e levou Larry Fink, Chairman e CEO da Black Rock, uma das maiores gestoras de ativos do mundo, a opinar que “quanto mais a empresa puder demonstrar seu propósito em entregar valor aos seus clientes, seus colaboradores e suas comunidades, melhor será sua capacidade de competir e entregar lucros duradouros, de longo prazo, para os acionistas”.
Numa visão extremada, manifestada pelo futurólogo norte-americano Jeremy Rifkin em seu livro “The Zero Marginal Cost Society” (“A Sociedade do Custo Marginal Zero”, em tradução livre), publicado em 2014, a sociedade do custo zero levaria ao fim do capitalismo. Ou pelo menos, iria transformá-lo, diriam os adeptos do Capitalismo Consciente.
Jeremy Rifkin é reconhecido pela precisão de suas previsões, mais pela assertividade do que pela intensidade. Seus livros “O Fim dos Empregos” e “A Era do Acesso” se tornaram clássicos pois acertaram em cheio as macrotendências de redução dos empregos formais e a busca por acesso por bens e serviços, mais do que a propriedade sobre eles.
A redução dos empregos formais é uma realidade em nosso país. Não há falta de trabalho propriamente dito e sim falta de mão de obra qualificada em determinadas áreas. Falta no Brasil engenheiros e programadores, e sobram psicólogos e advogados. Recentes evoluções da Inteligência Artificial apontam para a redução de trabalho em tarefas repetitivas e que requerem pouca qualificação. Assim, muitas profissões devem ser extintas, ao passo que novas áreas de formação e carreiras surgem a cada dia. Vale muito neste cenário a capacidade de adaptação de cada um.
Jeremy Rifkin argumenta que IoT (“Internet of Things” ou “internet das coisas”), energias renováveis e custo marginal zero nos levarão para um novo sistema econômico mais colaborativo. Elon Musk manifestou por diversas vezes sua percepção que será em breve necessário a criação de uma espécie de salário mínimo universal, já que muitas pessoas ficarão desempregadas e sem função, substituídas progressivamente por robôs ou diversos tipos de soluções baseadas em inovações tecnológicas, como IoT, Inteligência Artificial, Realidade Virtual Realidade Aumentada, Blockchain, Machine Learning e ChatGPT. Desta forma, a economia mundial será híbrida e diversos modelos tendem a conviver entre si ao longo das próximas décadas.
A lógica colaborativa da internet tende a aumentar a produtividade coletiva e o dinamismo do sistema, e pode ser seguida em diversos outros segmentos. Ainda que não em todos, pois depende da rivalidade de cada setor e da existência ou não de informações confidenciais de circulação restrita. A tese do autor é exatamente que a busca incessante por produtividade levará a um ponto a partir do qual o custo marginal – ou seja, o custo de produzir uma unidade adicional de algum determinado produto ou serviço – chega próximo a zero.
Esta lógica surgiu inicialmente na indústria de softwares e em indústrias como a do entretenimento, educação e comunicação, que foram completamente modificadas pela internet, e já ficou clara em diversos outros campos onde há possibilidade de obtenção de economias de escala.
Como resultado desta menor barreira à entrada de novos concorrentes, numa visão alinhada com as 5 Forças de Porter, as margens de lucro tendem a se reduzir. Além disso, os direitos de marca e de propriedade estão se enfraquecendo notadamente com a concorrência predatória de produtos chineses. Desta forma, uma economia baseada na escassez estaria sendo substituída aos poucos por uma economia da abundância.
Muitas das inovações geradas pelos avanços tecnológicos geram aumento na eficiência e produtividade que afetam diretamente a Economia Global. No caso da Internet das Coisas, zilhões de sensores conectando tudo e todos estarão alimentando uma infraestrutura inteligente de informações compartilhadas, gerando informações e promovendo eficiência num grau jamais visto no passado. Wise Home é uma franquia brasileira investida por João Apolinário do Shark Tank, que permite automatizar casas inteligentes. O carro autônomo é a próxima grande inovação tecnológica em desenvolvimento.
Rifkin também destaca o crescimento exponencial das energias renováveis, sobretudo solar e eólica, que aumentaram em muito a capacidade de geração de energia no Brasil e de forma altamente descentralizada. A regulamentação deste setor no Brasil e no mundo, bem como o acesso a financiamento de longo prazo, são requisitos chave para a manutenção e atratividade deste setor. Na visão do autor, o custo inicial de uma placa solar é alto, porém a fonte geradora é permanente e tem custo zero, de modo a reduzir os custos marginais da geração de energia para zero, restando ao consumidor quitar um pequeno valor mensal para a interligação da sua geração ao sistema transmissor das companhias de energia, e alguns impostos.
O lado atualmente mais perceptível do futuro descrito por Rifkin são os sites de compartilhamento de veículos, casas e hotéis, caso da RentCars, do Airbnb e do Booking. Nesses novos tipos de transação, o acesso é mais importante do que a propriedade. As pessoas não querem mais pagar Imposto Territorial Urbano ou Rural por algo de uso esporádico, e que ainda podem sofrer invasões num ambiente jurídico um tanto inseguro. Além disso, proliferam as plataformas de serviços do tipo pay-per-use. Softwares podem ser adquiridos por assinatura e estruturas físicas complexas foram substituídas por serviços em cloud. Zygmunt Bauman sugeriu que a economia sólida foi substituída pela economia líquida. Ora, já estamos na fase da economia gasosa, ou seja, está tudo nas nuvens!
Para Rifkin, não há o que temer, afinal a mudança sempre foi uma constante na evolução da sociedade organizada. Marshall Berman nos lembra que “Tudo o que é sólido desmancha no ar”, título de sua obra publicada em 1986. E Nassim Nicholas Taleb nos lembra em sua obra, publicada em 2012, o conceito da antifragilidade, e incentiva os negócios a se tornar robustos e resilientes, que são requisitos para se beneficiar com o caos e superar da melhor maneira possível grandes momentos de crise, como quando fomos acometidos pela Covid 19 em 2020 e 2021.
A evolução do ambiente legal e societário devem acompanhar estas mudanças e evoluções recentes, inclusive mediante a criação de novos marcos legais e novos formatos jurídicos de sociedades. Estas são questões algumas das questões prementes a serem acompanhadas de perto por Conselheiros Consultivos e Conselheiros de Administração.
Daniel Alberto Bernard, economista e Mestre em Administração pela FEA-USP, atua como consultor especializado em crescimento e desenvolvimento de empresas há 35 anos, e é membro do Conselho Superior da Associação Comercial do Paraná e da Board Academy.